Voz que não se cala
Por Pe. José Carlos Ferreira da Silva[1]
[1] É autor do livro Feridas Invisíveis: a realidade do sofrimento psíquico em padres e pastores decorrente da prática pastoral- Editora Dialética. É Mestre em Ciências da Religião, Jornalista e Psicólogo. Atualmente é Vigário Episcopal para Comunicação da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim, Pároco da Paróquia Nosso Senhor dos Passos, bairro Independência, Cachoeiro de Itapemirim. Membro da Academia Cachoeirense de Letras.
Minha avó materna falava pouco, lia quase nada, mas sua palavra tinha peso de pedra no bolso. Quando abria a boca, o mundo parecia baixar o volume para escutar. Ela dizia aos netos: "não caiam nas armadilhas da vida por ingenuidade ou ambição." Na época, eu achava que era só mais uma frase que adultos repetem para preencher silêncio. Com o tempo, percebi que era aviso de quem já tinha visto gente tropeçar por pura vontade de correr antes de enxergar o chão.
Ela entendia da vida como quem entende do clima. Olhava ao redor e sabia quando ia chover. Sabia quando alguém chegava com sorriso largo demais. Sabia quando um elogio vinha com ponta de faca. Nós ríamos, achando exagero. Ela apenas servia o café e continuava quieta.
Hoje, penso no que ela diria ao ver tanta gente acreditando que as redes sociais são um terreno sem cerca. Ali dentro, muita gente fala o que não falaria cara a cara. Muita gente se fantasia de sábia, de justa, de herói cansado. E muita gente vira porta voz de interesses que nem entende. A maldade continua terceirizada, só mudou de uniforme. Agora circula de avatar em avatar, de vídeo curto em vídeo curto, procurando alguém disposto a apertar o botão sem pensar.
Minha avó, que mal assinava o próprio nome, teria visto isso tudo com a mesma calma de sempre. Teria repetido que ingenuidade rende lucro para quem sabe manipular. Teria dito que ambição cega mais rápido que poeira no olho.
E quem sabe, desligasse o celular para cuidar das plantas. Porque no fundo ela sempre soube que a vida é simples. Complicado mesmo é o barulho que a gente deixa entrar.
Comentários: